Em entrevista à ‘Veja’, Waldyr Ferraz disse que esquema ocorreu quando o presidente era deputado federal, mas que Bolsonaro não sabia da prática. Ferraz afirmou que quem comandava a rachadinha era e ex-mulher de Bolsonaro.
Amigo e conselheiro de Jair Bolsonaro (PL), Waldyr Ferraz afirmou em reportagem publicada pela revista “Veja” que houve rachadinha no gabinete do presidente quando ele foi deputado federal. De acordo com Waldyr, a prática ocorreu também nos gabinetes dos filhos do presidente Flávio Bolsonaro (PL-RJ), quando ele era deputado estadual, e Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), vereador.
Ferraz foi assessor de Bolsonaro na campanha presidencial de 2018. Aposentado da Marinha, é um dos amigos mais próximos do presidente.
Segundo Ferraz, quem comandava a rachadinha era a ex-mulher de Bolsonaro Ana Cristina Valle. Ferraz afirma que Jair Bolsonaro não sabia da prática e que só teve conhecimento das rachadinhas em novembro de 2018, depois de ter sido eleito presidente.
Os citados por Waldyr negam que tenha havido rachadinha (veja mais abaixo nesta reportagem).
Bolsonaro foi deputado federal de 1990 a 2018. A relação dele com Ana Cristina durou do final da década de 1990 até 2007. Ela é mãe de Jair Renan, o filho 04 de Bolsonaro.
A rachadinha ocorre quando o gabinete de um parlamentar contrata alguém com a condição de que vai ficar com parte do salário da pessoa. Muitas vezes, se trata de um funcionário fantasma, que nem vai ao gabinete. A prática é ilegal. Ao longo dos três anos do mandato, Bolsonaro tem enfrentado o desgaste de denúncias de rachadinha na família.
À Veja, Ferraz detalhou como funcionava a rachadinha nos gabinetes da família. Ele disse que Ana Cristina contratava pessoas dispostas a devolver parte do dinheiro. Ela recolhia os documentos, abria contas bancárias em nome dos funcionários e ficava com parte dos salários
“Ela fez nos três gabinetes. Em Brasília (na Câmara dos Deputados), aqui no Flávio (na Assembleia Legislativa do Rio) e no Carlos. O Bolsonaro deixou tudo na mão dela para ela resolver. Ela fez a festa. É isso. Ela que fazia, mas quem é que assinava? Quem assinava era ele. Ele vai dizer que não sabe? É batom na cueca. Como é que você vai explicar? Ele está administrando. Não tem muito o que fazer”, relatou o amigo do presidente à revista.
“A jogada dela era a seguinte, ela chegava pra você e dizia: ‘Quer ganhar um dinheiro? Te dou R$ 1 mil por mês, quer? Me empresta seu documento aí’. Pegava a carteira do cara que estava entrando na Câmara, recebia R$ 8 mil, R$ 10 mil, e dava R$ 1 mil para o cara”, completou.
Ana Cristina Valle é ex-mulher de Bolsonaro e mãe do quarto filho do presidente, Jair Renan — Foto: Reprodução/TV Globo
Ele ressaltou que Bolsonaro não sabia de nada e que, nesse episódio, foi “traído” pela ex-esposa.
“Ele, quando soube, ficou desesperado, era uma fria. O cara foi traído. Ela começou tudo. Bolsonaro nunca esteve ligado em nada dessas coisas. O cara tinha visão do que estava acontecendo por trás no gabinete. Às vezes o chefe de gabinete faz m…, o próprio deputado não sabe. Mesmo o deputado vagabundo não sabe, só vem a saber depois”, contou o amigo do presidente.
Ferraz também disse, segundo a revista, que Ana Cristina chantageia Bolsonaro e chega a, algumas vezes, aparecer ao lado de apoiadores no cercadinho na porta do Palácio da Alvorada, onde quase todos os dias o presidente para para falar com simpatizantes.
“Ela é muito perigosa. É uma mulher que quer dinheiro a todo custo. Às vezes, ela vai ao cercadinho, frequenta o cercadinho. É uma forma de chantagem. A gente nem toca nesse assunto pra não deixar o cara [Bolsonaro] de cabeça quente”, revelou Ferraz.
Na entrevista para a “Veja”, o conselheiro do presidente disse ainda que, depois que Ana Cristina rompeu com Bolsonaro, quem assumiu o esquema das rachadinhas foi Fabrício Queiroz, amigo do presidente. Ferraz disse que, também na época de Queiroz, Bolsonaro não sabia da rachadinha.
“Queiroz, que também é amigo do presidente há mais de trinta anos, substituiu Ana Cristina como responsável pela arrecadação dos salários dos servidores. Continuou o esquema sem que Bolsonaro soubesse”, afirmou Ferraz.
Em agosto de 2020, o Jornal Nacional mostrou que Fabrício Queiroz e a esposa, Márcia Aguiar, repassaram um total de R$ 89 mil à primeira-dama Michelle Bolsonaro entre 2011 e 2016.
Queiroz, assessor de Flávio na Assembleia do Rio,
chegou a ser preso em investigação sobre as rachadinhas em junho de 2020 (veja mais abaixo nesta reportagem o histórico das denúncias de rachadinha no clã Bolsonaro).
Ana Cristina Valle atualmente mora em uma mansão alugada no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, com o filho mais novo do presidente, Jair Renan. O imóvel, de 800 metros quadrados, é avaliado em mais de R$ 3 milhões.
Jair Renan e ex-mulher de Bolsonaro alugam casa de R$ 3,2 milhões
O que dizem os citados
Procurada pelo g1, a defesa de Ana Cristina Valle chamou a denúncia de “fantasiosa” e disse que Ferraz, em suas redes sociais, disse que nunca teve conhecimento de rachadinha nos gabinetes da família Bolsonaro.
“A defesa de Ana Cristina Siqueira Valle vem a público externar seu repúdio à matéria da Veja intitulada ‘Ex-assessor de Bolsonaro confirma rachadinha na família do presidente’. A narrativa que se apresenta é absolutamente fantasiosa não se sustentando de nenhuma maneira. Ademais, o próprio senhor Waldyr Ferraz declarou em suas redes sociais que nunca teve conhecimento sobre a prática de rachadinha em qualquer gabinete dos Bolsonaros”, escreveu a defesa.À Veja, a ex-mulher do presidente disse negou que chantageie Bolsonaro e que tenha comandando esquemas de rachadinha. Ela disse também que as acusações partem de inimigos que querem atingir Flávio e Carlos.
O g1 procurou a Presidência da República e aguardava uma resposta até a última atualização desta reportagem.
Procurado pela TV Globo, Waldir Ferraz disse que a conversa que teve com a repórter da ‘Veja’ quando perguntado sobre rachadinha era em off (quando uma pessoa fala com um jornalista com a condição de não ser identificada na reportagem). Ainda assim, negou que tivesse conhecimento de qualquer esquema nos gabinetes, pois quando Ana Cristina surgiu na vida de Bolsonaro ele saiu do gabinete.
Ele afirmou ainda que tudo que disse à repórter estava baseado em reportagens veiculadas pela imprensa. Ele ressaltou que tem certeza de que Jair Bolsonaro e os filhos não tinham conhecimento de nada.
O senador Flávio Bolsonaro divulgou vídeo nesta sexta-feira (21) para dizer que Waldyr negou que fez as acusações para a “Veja”.
“A revista ‘Veja’ desse final de semana traz na capa o Waldyr Ferraz, um amigo da família, que sempre esteve junto conosco, onde ele supostamente diz que tinha conhecimento de uma série de problemas no meu gabinete, na minha família, e isso não é verdade. Ele veio até suas
redes sociais, publicou uma nota oficial desmentindo aquilo que está publicado na revista Veja”, afirmou o senador.
“Se a palavra do Waldir estava valendo para nos acusar, a palavra dele agora também tem que valer para que se bote um ponto final nessa história”, completou Flávio.
Procurada pela TV Globo, a defesa do vereador Carlos Bolsonaro disse que ele não iria se manifestar.
Investigações de rachadinha
Em dezembro de 2018, subiu à tona um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontando como suspeitas movimentações financeiras de Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro e assessor de Flávio Bolsonaro na Alerj.
Foi nessa época, segundo Waldyr, que Jair Bolsonaro tomou conhecimento do esquema que, segundo o conselheiro do presidente, foi comandado por Ana Cristina.
Desde então, investigações sobre as rachadinhas têm sido um desgaste político para o presidente e a família.
Flávio é apontado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como chefe de uma organização criminosa que atuou em seu gabinete no período em que ele foi deputado estadual, de 2003 a 2018.
O agora senador nega as acusações, diz ser vítima de perseguição e critica o vazamento das informações, que estão em um processo que corre em segredo de Justiça.
A estimativa é que cerca de R$ 2,3 milhões tenham sido movimentados em rachadinha no gabinete.
Segundo promotores, a organização criminosa existiu “com alto grau de permanência e estabilidade, entre 2007 e 2018, destinada à prática de desvio de dinheiro público e lavagem de dinheiro”.
Queiroz, apontado como o operador do esquema, foi preso em junho de 2020. Ele foi solto em março de 2021.
Desde novembro de 2021, a ação penal sobre as rachadinhas no gabinete de Flávio está parada. Por decisão do ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Ministério Público terá que apresentar uma nova denúncia – a terceira.
No mês passado, o Jornal Nacional revelou documentos que apontam para novos indícios de participação de Ana Cristina Valle na lavagem de dinheiro de rachadinha no gabinete de Carlos Bolsonaro.
Ela teve um escritório de advocacia e duas empresas de seguro. As empresas funcionavam em um prédio, no Centro do Rio, a poucos metros da Câmara de Vereadores.
O Coaf registrou que as contas bancárias de quatro empresas vinculadas a Ana Cristina realizaram movimentações financeiras suspeitas.
O Ministério Público do Rio de Janeiro acredita que a escolha do endereço tão próximo não foi uma coincidência e quer saber se as duas atividades desempenhadas por Ana Cristina Valle estavam ligadas.
Os investigadores dizem que a elevada movimentação de dinheiro vivo ( recursos em espécie) por Ana Cristina sugere que ela era a real destinatária dos recursos públicos desembolsados em nome dos parentes.
Os promotores suspeitam que esses funcionários continuaram a pagar a rachadinha mesmo depois que ela deixou o gabinete e que Ana Cristina usava as próprias empresas para lavar o dinheiro.