Denúncia do senador Marcos do Val sobre plano — discutido na presença de Bolsonaro — para tentar anular eleição é mais um vestígio de que estava em curso uma trama para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
As investidas golpistas contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganham mais um capítulo e apontam para um esquema que teria começado em dezembro, pouco mais de um mês depois da vitória do petista nas urnas.
O senador Marcos do Val (Podemos-ES) afirmou, ontem, que havia um plano, discutido na presença do então presidente Jair Bolsonaro, para tentar anular o resultado da eleição e impedir a posse de Lula.
Do Val deu ao menos três versões sobre o caso. Na original, disse que foi chamado por Bolsonaro para participar de uma trama que envolvia gravar o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, para conseguir alguma declaração prometedora do ministro e anular o resultado da eleição.
Em outra versão, Do Val sustentou que a ideia partiu do então deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) e que foi exposta em uma reunião, na Granja do Torto, com a presença de Bolsonaro. Alegou, depois, que o encontro ocorreu no Palácio da Alvorada.
Nessa época, Bolsonaro mantinha um silêncio surpreendente sobre o resultado das urnas. A única manifestação havia se feita em uma coletiva no Palácio do Alvorada, em 9 de novembro.
Também nesse período, acampamentos bolsonaristas em frente a quartéis espalhados pelo país já tinham cerca de 40 dias.
Em paralelo, o general Augusto Heleno, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), dava declarações contra Lula, sugerindo a não aceitação da vitória do petista. Em curso também estava a resistência de oficiais do alto comando das Forças Armadas de realizar uma transição pacífica de comando.
No início de janeiro, em cumprimento a um mandado de busca e apreensão, a Polícia Federal (PF) encontrou na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, uma minuta de golpe de Estado. A suspeita do governo é que esse documento seja datado do período entre o fim de novembro e começo de dezembro.
Por fim, um mês depois do encontro entre Do Val, Silveira e Bolsonaro, eclodiram os atos criminosos que depredaram os prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF.
Chamada de vídeo
Em todas as versões que deu, Do Val destacou que, primeiramente, foi chamado por Silveira para conversar na área externa do Congresso. Ao chegar lá, o então deputado estava em uma chamada de vídeo com Bolsonaro. Segundo o senador, o presidente perguntou se o parlamentar poderia “ir lá”, ao Alvorada. O encontro foi marcado para o dia seguinte. “Antes de ir na sexta-feira, conversei com o ministro Alexandre de Moraes e perguntei se eu deveria ou não ir. O ministro disse: ‘Vai, que informações são importantes'”, relatou.
De acordo com o senador, “Daniel estava tentando achar uma forma de prender o ministro Alexandre de Moraes”. Também segundo ele, o deputado tentou convencê-lo a participar do plano afirmando que haveria apoio do GSI com equipamentos eletrônicos.
“O presidente estava todo o tempo calado”, contou. Ao fim, prosseguiu, Bolsonaro disse “a gente espera uma resposta”. Do Val ressaltou que o convite partiu de Silveira, mas que o “presidente reforçou”.
Do Val teria sido chamado para a trama devido à relação profissional que teve com Moraes quando o ministro integrava o governo de São Paulo, e o senador prestava serviços de consultoria no estado.
Após fazer a denúncia, Do Val chegou a anunciar a renúncia ao cargo de senador, mas, horas depois, voltou atrás. Disse ter recebido mensagens de colegas para não abrir mão do mandato. O Correio apurou que as ligações foram um alerta de que, se renunciasse, perderia o foro privilegiado e corria o risco de ser preso.
Depoimento
Depois das declarações do senador, Moraes autorizou a Polícia Federal a tomar o depoimento do parlamentar. O interrogatório durou 3h30, na sede da corporação.
Na saída, Do Val disse ter apresentado aos agentes todas as informações contidas no celular, incluindo ligações e mensagens de texto recebidas de Silveira.
“Dei acesso às conversas dentro do WhatsApp, porque, para mim, quanto mais transparente, melhor. Dali foi feito um detalhe do histórico, da aproximação, como é que o ex-deputado federal Daniel me contactou, que foi lá pelo Senado, qual foi a fala dele, se a fala dele realmente dava a entender alguma coisa no sentido de aplicar algum golpe de Estado”, contou.
Na oitiva, o senador relatou que “foi um excesso” ter afirmado em live, na madrugada de ontem, ter sido coagido por Bolsonaro a participar de um golpe de Estado. Ele disse ter recebido enxurrada de mensagens de bolsonaristas que o chamavam de traidor. “Você chega a um nível de irritabilidade gigantesca. Foi um desabafo”, alegou.
Do Val também reafirmou, na oitiva, ter recebido o aval de Moraes para ir à reunião com Silveira e Bolsonaro.
Sobre o silêncio do então presidente no encontro, disse não ver estranhamento. “Quando se está em reunião com um grupo de inteligência, é normal maneirar no que se fala, porque um acha que o outro está gravando”, alegou.
A respeito da prisão de Silveira, frisou: “Daniel que estava provocando essa situação, acho que hoje ele está no lugar que deveria estar e não deve sair de lá”.