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Toffoli diz que Forças Armadas ‘servem ao povo’ e não podem assumir ‘poder moderador’

Presidente do STF rejeita tese de que Constituição permita algum tipo de intervenção militar para resolver conflitos entre poderes. Câmara e OAB também já refutaram essa interpretação.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, afirmou nesta terça-feira (9) a parlamentares que as Forças Armadas “servem ao povo brasileiro” e “não são instituições do governo”, mas sim, de Estado.

Toffoli também declarou que a democracia brasileira não comporta um “quarto poder” e que o artigo 142 da Constituição Federal – citado nas últimas semanas como suposta base para uma intervenção militar – não respalda nenhuma ideia de “poder moderador” para resolver disputas entre poderes.

“Não há lugar para quarto poder, para artigo 142 da Constituição. Forças Armadas sabem muito bem que o artigo 142 não lhes dá [classificação] de poder moderador. Tenho certeza de que as Forças Armadas são instituições de estado, que servem o povo brasileiro, não são instituições de governo”, afirmou Toffoli.

O presidente do STF participou de uma videoconferência nesta terça com parlamentares de partidos independentes e de oposição ao governo Jair Bolsonaro. Deputados e senadores pediram o encontro virtual para prestar solidariedade em relação aos recentes ataques à Corte.

O apoio foi expresso em uma carta entregue a Toffoli e endereçada à instância máxima do Judiciário. Em atos realizados nas últimas semanas, manifestantes que apoiam o governo Bolsonaro defenderam pautas antidemocráticas e inconstitucionais, como o fechamento do Congresso e do STF.

Toffoli agradeceu o apoio dos congressistas e ressaltou que o governo Bolsonaro é “legítimo” pois foi eleito democraticamente. Para o magistrado, apesar disso, as interpretações do artigo 142 não foram “felizes”.

“Tenho visto do Poder Executivo a defesa [da democracia]. Foram eleitos, foram legitimados e recebem nosso respeito. Determinadas interpretações que se deram, como a do artigo 142, não são interpretações felizes, que encontrem espaço no estado democrático de direito”, avaliou.

“Temos que estar unidos no combate da pandemia com transparência, com o apoio da imprensa, com liberdade de expressão. Não podemos aceitar aquilo que atente contra o estado democrático de direito. Poder se realizar fechamento do Congresso, do STF vai contra a razão de ser da Constituição”, completou o presidente do STF.

Artigo 142

Em parecer, OAB diz que Constituição não prevê Forças Armadas como 'poder moderador'
Em parecer, OAB diz que Constituição não prevê Forças Armadas como ‘poder moderador’

O artigo 142 da Constituição não trata de divisão entre os poderes, mas descreve o funcionamento das Forças Armadas. Segundo constitucionalistas, em nenhum momento ele autoriza qualquer poder a acionar esse dispositivo para intervir em outro poder.

Diz o artigo 142:

“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Na reunião ministerial de 22 abril, cujo vídeo se tornou público, Bolsonaro se referiu a esse trecho da Constituição, dizendo que, com base nele, as Forças Armadas poderiam intervir para “restabelecer a ordem”.

“Nós queremos fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. E, havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”, afirmou o presidente da República na ocasião.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, também se referiu ao artigo ao sugerir que as Forças Armadas coloquem “pano quente” no conflito entre os poderes para restabelecer o “jogo democrático”.

Parecer da Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, emitido na quarta-feira (3) passada, esclarece que esse trecho da Constituição “não autoriza a realização de uma intervenção militar constitucional”.

Parecer da Câmara diz que artigo 142 da Constituição 'não autoriza intervenção militar'
Parecer da Câmara diz que artigo 142 da Constituição ‘não autoriza intervenção militar’

O mesmo posicionamento foi definido em um parecer da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgado no início do mês.

Segundo o documento, como as Forças Armadas estão “inseridas inequivocamente na estrutura do Poder Executivo”, sob comando do presidente, qualquer interferência militar nos poderes Legislativo e Judiciário representaria uma ofensa à separação dos poderes, definida na Constituição de 1988.

A OAB também destaca que o artigo 102 da Constituição diz que compete ao Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituição”.

“Isso significa que ao Poder Judiciário e, ao fim e ao cabo, ao Supremo Tribunal Federal, cabe interpretar o Texto Constitucional, por meio dos mecanismos institucionais que a própria Lei Fundamental estabeleceu. Tendo sido esta a disciplina traçada pelo constituinte, inviável a tese da autoridade suprema do Chefe do Poder Executivo e, por maior razão, das Forças Armadas”, afirma a ordem.

Carta de apoio

A carta de solidariedade ao STF, idealizada pelo líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), diz que a corte sofre “ataques por parte do Presidente da República, seus ministros, filhos e parcela de seus apoiadores”.

“Conquistamos a Constituição de 1988, garantindo liberdade democráticas após a derrota da ditadura civil militar. A concentração de todos os poderes nas mãos de uma só pessoa felizmente foi vencida há séculos, superando-se a fase em que alguém podia dizer ‘o Estado sou eu’. São tempos dos quais não se deve ter saudades”, diz o texto.

“Reiteramos nosso compromisso com a defesa da Constituição, que juramos defender quando tomamos posse de nossos mandatos parlamentares, nosso zelo pela manutenção liberdades democráticas previstas na Constituição de 88, no qual a liberdade de expressão e manifestação não contemplam discursos de ódio e flertes autoritários, e nosso entrega total à luta pelos direitos fundamentais de todos os brasileiros. Queremos mais liberdades democráticas para o povo e não menos”, continua o texto.

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