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Racismo atinge crianças e adolescentes desde o nascimento e precisa ser combatido

O racismo estrutural é sentido desde a primeira infância e traz inúmeros prejuízos à formação e desenvolvimento de crianças negras, indígenas e quilombolas, além do que mantêm o preconceito e discriminação como parte da estrutura social vigente

Lauane dos Santos/ Governo do Tocantins – 19.08.2020

É fato que ninguém nasce preconceituoso, mas, em contrapartida, uma criança negra, indígena ou quilombola sofre racismo desde o nascimento, quando ainda é um bebê e não recebe os mesmos elogios que uma criança branca ou ter menos chances de serem adotadas devido a cor da pele. A Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju) reforça que o debate quanto ao preconceito e discriminação contra crianças e adolescentes deve ser contínuo, nas escolas, e em casa, para o efetivo combate ao racismo na infância.

Para a adolescente e estudante do 9º ano em uma escola na região de Taquaralto, Maria Otília Barbosa, 15 anos, toda pessoa negra já sofreu racismo mesmo sem perceber e, na sua vida, essas situações foram comuns tanto no ambiente familiar quanto na escola. “Lembro que quando eu tinha por volta de 7 anos queria ter o cabelo liso e ser branca, porque o que eu assistia ou via era isso, e minha mãe acabava apoiando isso, mesmo sem perceber, não era culpa dela, mas o racismo estava ali. Fizemos um teste no salão, escovaram meu cabelo durante um dia inteiro e quando terminaram, eu não gostei, vi que não era para mim, ali comentou o meu empoderamento, também com muita ajuda das minhas irmãs mais velhas”, lembra.

Com ajuda das irmãs, Maria Otília se percebeu enquanto uma criança negra e, aos poucos, passou a achar bonita a cor da sua pele e os cabelos cacheados. “Minhas irmãs começaram a me dar apoio e também me levavam para reuniões do Movimento de Pessoas Negras, onde todos falavam que eu era linda, então comecei a me enxergar de forma diferente, até que com nove anos decidi que não iria mais usar o cabelo preso na escola. Lembro da primeira vez que usei ele solto, teve muitos comentários negativos, mas eu não me importava porque com a minha ação outras meninas negras também começaram a usar o cabelo solto e virou algo comum”, afirma a jovem.

Maria Otília considera que atualmente a sua escola tem trabalhado a temática da igualdade racial, para além do Dia da Consciência Negra. “É um desafio ainda, mas agora vejo que minha geração e as mais novas são mais empoderadas. Acredito que estamos tendo uma conscientização maior, pelo menos vejo isso na minha escola. Eu, por exemplo, não fico calada, faço perguntas, debato sobre o assunto para enfrentar o racismo”, completa a adolescente.

Racismo estrutural

Segundo a Unicef Brasil, logo ao nascer, uma criança negra tem 25% mais chances de morrer antes de completar um ano do que uma criança branca. A pobreza atinge 56% das crianças negras contra 32,9% das crianças brancas. No que tange a escola, uma criança indígena tem três vezes mais chances de não frequentar do que uma criança branca e das 530 mil crianças fora da escola, 62% são negras.

A especialista em Educação Étnico-racial e professora da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Gleys Ially Ramos, explica que o racismo está presente na estrutura da sociedade, por isso é percebido desde o nascimento. “Essa a primeira maneira de sentir o racismo, de maneira institucional, pois isso significa que em todos os espaços onde pessoas que não são brancas estejam, serão tratadas de forma racializada. Isso vem desde o nascimento, pois percebemos mais dificuldades no acesso à saúde para essas crianças, no acesso à escola até por muitas morarem na periferia, ou no campo e na floresta, onde estão os indígenas e quilombolas”, afirma.

Racismo infantil não é bullying

Durante a vida da criança e especialmente no ambiente escolar, o racismo por vezes acaba sendo colocado como bullying, no entanto, para Gleys, é necessário diferenciar o racismo do bullying, pois se apresentam de formas diferentes e não podem ser tratados como sinônimos. “O bullying é o ataque ao indivíduo, um conjunto de palavras e ações que visam desestabilizar e abalar o indivíduo, o que muitas vezes é restrito a um espaço ou pessoa. Já o racismo visa atacar todo um povo, um grupo de pessoas, a partir dos atributos pertencentes a eles, colocando características de determinado grupo social em menor significância e diminuindo pessoas por pertencer a uma ancestralidade que não é branca e não depende de diferenças pessoais para que esse ataque aconteça”, ressalta, lembrando que ambos devem ser combatidos, mas com estratégias diferentes.

“O maior prejuízo do racismo é a subjugação da pessoa, se sentir incapaz, se retrair, não se sentir pertencente a sociedade e temos lidado com consequências mais drásticas, como a depressão, por ser muito difícil lidar com a carga do racismo, de ser subjugada em todos os espaços e isso para a criança é muito danoso. Nem sempre as mães, que na nossa sociedade é a principal responsável por estar atenta as doenças físicas e emocionais das crianças, conseguem lidar com essas situações de racismo sofridas pelos filhos porque elas também já são precarizadas por serem negras, muitas vezes exercendo trabalhos em piores escalas de dignidade, então a criança cresce nesse ciclo”, explica Gleys.

Combate ao racismo

Para a especialista, também é preciso que toda a sociedade se envolva no combate ao racismo. “Só a escola e a família não são capazes de construir uma lógica não racista para que a criança tenha mecanismos de contrapor o racismo, porque as crianças ocupam outros espaços, os parques por exemplos são lotados de crianças brancas sendo cuidadas por pessoas negras, então é preciso pensar em como empretecer os espaços, com coletividade de informações e de ações para além da sala de aula e do ambiente familiar, deve-se buscar alternativas para que as crianças [negras e indígenas] possam se ambientar em outros espaços e acessá-los igualmente”. Gleys destaca que o uso de produções literárias, audiovisuais e artísticas são ferramentas importantes para trabalhar com as crianças e contrapor o racismo em casa e nas escolas, mas é “necessário também formar os adultos que estão acostumados com os materiais produzidos pela branquitude, então o problema não se encerra na criança”, enfatiza.

A Seciju trabalha pela Igualdade Racial em diversas frentes, uma delas é o debate com crianças e adolescentes sobre a temática. “Uma das nossas ações é justamente levar o debate sobre igualdade racial para as escolas, com palestras e oficinas, levando conhecimento para as crianças a fim de que entendam que todas são iguais, independente de raça, cor, religião, gênero ou classe social. É muito importante esse trabalho para o combate à discriminação, mostrando que a igualdade é um direito básico e fundamental, fazendo toda a diferença na vida das crianças desde a primeira infância, além de poderem repassar esses ensinamentos aos pais e ajudar a torna-los adultos livres de preconceitos”, esclarece a gerente de Diversidade e Inclusão Social da Seciju, Nayara Brandão.

A vice-presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial vinculado a Seciju (Cepir-TO), Rossana Faustino, considera que o racismo atua historicamente na estrutura da família negra e na imagem do indivíduo. “O racismo deixa crianças e adolescentes vulneráveis as diversas crueldades do sistema Brasileiro e os mecanismos de opressão também atacam a imagem do negro, diminuindo a autoestima sobre sua imagem e capacidade de aprendizado. A família deve trazer as origens e as belezas do povo negro para dentro de casa, músicas, danças, lutas, moda, cabelo, tudo isso ajuda na formação e afirmação do indivíduo na sociedade. E isso também deve ser replicado na escola, com a responsabilidade a mais de passar isso para todos”, finaliza.

Confira também uma campanha da Unicef Brasil com dez maneiras de contribuir para uma infância sem racismo aqui (https://www.unicef.org/brazil/por-uma-infancia-sem-racismo)

(Edição: Shara Rezende/ Governo do Tocantins)

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